sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Fático

A gente pagou umas contas, andamos até o carro e fomos até uma pracinha que gostamos, onde um pseudo artista de rua nos enganou pela segunda vez com uma história de aniversário, despensa vazia, professores de arte sem dinheiro pra comer e um mísero pacote de biscoitos como almoço. A mesma peleja de 1 mês atrás, mas nós, como bons apaixonados - burros, lerdos, ingênuos e subitamente generosos - que somos, vimos ir embora mais cinco reais pro copinho do cara. Deixa pra lá.

Compramos um refrigerante e fomos olhar o mar do mirante da pracinha. O farol azul pisca pro vermelho, que pisca de volta e assim vai numa conversa infinita a noite inteira. Comentei que ali seria um bom lugar para um suicídio, pois abaixo do mirante tem um viaduto e se a pessoa não morresse da queda, certamente morreria atropelada. Ele argumentou que a queda não iria ser nem tão grande nem tão pequena e a pessoa teria que calcular o momento exato de se jogar a ponto que o motorista que viesse atrás não conseguisse mais frear e consumasse por fim o ato. Tanto faz.

O que eu acho realmente incrível é que lugares como aquele têm o poder de apelar pros nossos desejos mais secretos, como se uma loucura repentina nos atacasse e nos livrasse de toda a vergonha na cara e do medo dos olhares de reprovação da sociedade. Mais ainda: faz com que você goste deles. Então nós tiramos o sapato e sentamos no chão. Sim, no chão, na beira da rua. "Oh, quanta rebeldia! Andar descalço e sujar a bunda da calça". Tente você. Veja como parece que todos os problemas do mundo somem e você se sente livre, distante de todas as responsabilidades e convenções sociais. É bom...

Só que já é noite, tá frio e a gente se abraça, encosta os pés, lutinha entre os dedões - 36 x 44, o que não é lá muito justo - e sorrimos, cúmplices, enquanto o sentinela da Marinha nos olha e sente inveja, a esposa e o marido nos olham e lembram "do seu tempo", as duas moças de nariz empinado e salto alto fazem cara de nojinho, sabendo que lá no fundo elas também queriam mais era tirar o sapato e sentar no chão, do lado de um cara com os olhos apertadinhos e escuros, como são os do meu cara. Deixa eles pra lá. Eu nem ligo e encosto o rosto no pescoço dele, procurando aquele cheirinho de erva doce que tem ali.

A gente só quer isso, sabe? Essa coisa careta e simples de ficar junto, ficar perto. A gente também não quer muito dinheiro.Só queremos comida na mesa e coca-cola (e Fanta) na geladeira. Nada demais, só o básico. Só o que os inocentes e as pessoas sentimentais sempre fazem...